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Regulamentação da comercialização de alimentos em Escolas



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SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO 4
INTRODUÇÃO 5
PARTE 1 7
Objetivos 7
Metodologia 7
PARTE 2 8
O processo de elaboração da regulamentação 8
A Experiência da Cidade e do Estado do Rio de Janeiro 9
A experiência do Estado de São Paulo 10
A experiência da Cidade de Ribeirão Preto 11
A experiência do Estado de Santa Catarina 11
A experiência do Distrito Federal 12
A experiência do Estado do Paraná 12
Os objetos de regulamentação dos diferentes dispositivos 12
Alimentos proibidos 13
Alimentos permitidos 17
Alimentos com venda obrigatória 18
Ações educativas 18
Capacitação de cantineiros 19
Alvará sanitário 20
Assessoria técnica 20
Venda nas cercanias 20
Propaganda de alimentos 20
Fiscalização e sanções 21
A implementação da regulamentação: apoios e resistências 21
A proibição da venda de alguns alimentos 21
Pactuação entre os poderes executivo e legislativo 23
Interação entre as áreas política e técnica 23
Parceria entre as áreas de saúde e de educação 24
Peculiaridades da rede pública e da rede privada de ensino 25
Apoio aos cantineiros 26
Estratégias de divulgação da regulamentação 27
Critérios de fiscalização 28
Situação atual dos processos de regulamentação 28
PARTE 3 31
Considerações finais 31
REFERÊNCIAS 33
ANEXOS 34
Anexo A – Lei n.º 5. 853, de 4 de junho de 2001 34
Anexo B – Lei n.º 12.061/2001 36
Anexo C – Lei n.º 14.423, de 2 de junho de 2004 38
Anexo D – Lei n.º 14.855, de 19 de outubro de 2005 40
Anexo E – (*)Decreto n.º 21.217, de 1.º abril de 2002 42
Anexo F – Portaria n.º 02/2004, de 1.º de março de 2004 44
Anexo G – Lei n.º 4.508, de 11 de janeiro de 2005 52
Anexo H – Lei n.º 3.695, de 8 de novembro de 2005 53
Anexo I – Portaria Conjunta COGSP/CEI/DSE, de 23 de março de 2005 56
Anexo J – Resolução n.º 16, de 29 de julho de 2002 58
Anexo K – Relação dos entrevistados por localidade 59
Anexo L – Roteiro de entrevista 63
Anexo M – Projeto de Lei n.º 2.510, de 2003 64
Anexo N – Projeto de Lei n.º 6.168, de 2005 66
Anexo O – Projeto de Lei n.º 6.890 de 2006 68
Anexo P – Projeto de Lei n.º 6.848, de 2002 70



APRESENTAÇÃO
Dentre as estratégias propostas para desenvolver ações no contexto da promoção da saúde,identifica-se o ambiente escolar como prioritário, por caracterizar-se como um espaço de formação e potencialização de hábitos e práticas saudáveis, no qual as pessoas passam grande parte do seu tempo, vivem, aprendem e trabalham.
No entanto, pesquisas vêm demonstrando que, atualmente, o ambiente escolar contribui de forma sistemática para a adoção de práticas alimentares consideradas não saudáveis por crianças. A maioria dos lanches vendidos e/ou preparados nas cantinas escolares encontra-se com baixo teor de nutrientes e com alto teor de açúcar, gordura e sódio1.
O Ministério da Saúde, por meio da Coordenação-Geral da Política de Alimentação e Nutrição (CGPAN), vem priorizando este tema no âmbito de suas ações, tendo publicado, em parceria com o FNDE/ MEC, a Portaria n.º 1.010, de 8/5/2006, apontando as diretrizes para a alimentação saudável no ambiente escolar.
O debate em torno da regulamentação ou da adoção de medidas que possam transformar as cantinas das escolas e os serviços de alimentação escolar em locais que garantam o fornecimento de alimentos e refeições saudáveis, com o aumento da oferta de frutas, legumes e verduras e restrição de alimentos e bebidas com alto teor de gordura, açúcar e sódio, vem assumindo dimensão internacional.
Inúmeros países estão construindo alternativas para o ambiente escolar, procurando intervir nos elevados números do sobrepeso e obesidade infantil.
Este material foi proposto com o objetivo de sistematizar as experiências brasileiras de
regulamentação da alimentação saudável no ambiente escolar, como forma de contribuir para o aprofundamento deste tema, no nível nacional e regional da América Latina. Alguns estados e municípios brasileiros são protagonistas e já iniciaram esta discussão localmente, criando dispositivos legais que viabilizam o desenvolvimento de ações desta natureza.
Assim, este documento tem o objetivo de apoiar gestores, educadores e profissionais de saúde no desenvolvimento de ações que favoreçam, promovam e garantam a adoção de práticas alimentares mais saudáveis, voltadas ao ambiente escolar. Entende-se como grande desafio à modificação da realidade das cantinas escolares, por meio de ações de educação alimentar e nutricional associadas à redução da oferta de alimentos considerados não saudáveis.
O material está sistematizado em três partes, sendo a primeira contendo seus objetivos
e a metodologia utilizada; a segunda, com uma discussão sobre os processos de elaboração dos dispositivos de regulamentação em cada local pesquisado, o teor dos diferentes dispositivos, o apoio e as resistências encontradas na sua implementação e a situação atual da implementação em todas as localidades. Por fim, apresentam-se as considerações finais, apontando sugestões que possam ser incorporadas numa possível lei de abrangência nacional.
Ana Beatriz Vasconcellos

1 BRASIL. Ministério da Saúde. A saúde pública e a regulamentação da publicidade de alimentos. Brasília, 2006.
Disponível em: <http://dtr2004.saude.gov.br/nutricao/documentos/regulamenta_publicidade_alimentos.
pdf>. Acesso em: 19 jan. 2007.
[ 5 ]
INTRODUÇÃO
A promoção da alimentação saudável vem sendo considerada um eixo prioritário de ação para promoção da saúde e, neste contexto, o ambiente escolar é apontado como espaço fundamental de ação por documentos nacionais e internacionais (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 1996; GLOBAL..., 2004; BRASIL, 1999; ALIMENTAÇÃO..., 2004).
No Brasil, a Política Nacional de Alimentação e Nutrição elegeu a promoção de práticas
alimentares e estilos de vida saudáveis durante todas as etapas do curso da vida como uma de suas diretrizes, identificando o papel transformador da educação alimentar e nutricional e do ambiente escolar na formação e disseminação de uma cultura alimentar que valorize a saúde (BRASIL, 1999).
De forma geral, estes documentos alertam para o fato de que, além da divulgação de informações sobre o valor nutricional dos alimentos atualmente disponíveis para consumo, o ambiente em que os indivíduos fazem suas escolhas alimentares precisa favorecer as opções saudáveis e protegê-los dos fatores que contribuem para as doenças relacionadas à alimentação, como anemia, obesidade e outras doenças crônicas associadas. A dimensão pedagógica da alimentação oferecida na escola
precisa ser valorizada.
A discussão sobre saúde e, mais especificamente, sobre alimentação saudável na escola, favorece o exercício proposto pela Política Nacional de Promoção da Saúde (BRASIL, 2006c) de deslocar o foco das ações em saúde, movendo-se da doença para a qualidade de vida, isto é, pensar as questões de saúde de forma integral, identificando estratégias para enfrentar os desafios do cotidiano de diferentes grupos e os determinantes sociais do processo saúde-doença.
As habilidades que a escola busca estimular como a autonomia, o senso crítico, a capacidade de discernimento, a auto-estima, o protagonismo, o reconhecimento dos diferentes potenciais e limites individuais, entre outras, são fundamentais à promoção da saúde (BRANCO, [20--?]), e em muito podem contribuir para a adoção de práticas alimentares saudáveis. Neste contexto, o Ministério da Saúde, junto com o Ministério da Educação, publicaram, em maio de 2006, a Portaria n.º 1.010
(BRASIL, 2006b), que ratifica a escola como espaço essencial de promoção da alimentação saudável e dá diretrizes sobre as ações a serem desenvolvidas. A Portaria tem como meta contribuir para a adoção de práticas alimentares mais saudáveis no ambiente escolar e avaliação de seu impacto a partir da análise de seus efeitos em curto, médio e longo prazos.
No âmbito do Fundo Nacional para o Desenvolvimento da Educação do Ministério da
Educação, o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) tem como fundamento o direito humano à alimentação adequada e como uma de suas premissas o incentivo a hábitos alimentares saudáveis na escola por meio da oferta da alimentação escolar. Criado há 50 anos e presente em 200 mil escolas públicas, o programa revela-se como um espaço propício para desenvolver atividades de promoção da saúde, produção de conhecimentos e de aprendizagem na escola, pois permite a utilização do espaço educativo para provocar o diálogo com a comunidade escolar sobre os fatores que influenciam suas práticas alimentares diárias, possibilitando questioná-las e modificá-las (COSTA; RIBEIRO, V. M. B.; RIBEIRO, E. C. O., 2001; SANTOS, 2005).
A ação do Estado na a promoção da saúde de crianças, no entanto, não pode restringir-se a ações de incentivo a práticas alimentares saudáveis no ambiente escolar, como também não se esgota com a publicação da Portaria n.º 1.010. Envolve ainda medidas de proteção, ou seja, ações de caráter regulatório que impeçam a exposição de coletividades e indivíduos a fatores e situações estimuladores
de práticas não saudáveis. Assim, o fomento a práticas alimentares saudáveis nas escolas também se apóia na regulamentação da oferta de alimentos, inclusive por parte das cantinas escolares.
[ 6 ] A disponibilidade de alimentos para compra na cantina escolar não pressupõe a oferta de alimentos saudáveis, o que contraria a proposta da escola como ambiente saudável. A cantina não precisa se limitar à produção e fornecimento de lanches de qualidade e inócuos do ponto de vista sanitário, mas pode ainda constituir-se num ambiente de estímulo e divulgação de informações sobre alimentação, nutrição e saúde, que respeitem o prazer e o hábito cultural.
Experiências de regulamentação da venda de alimentos não saudáveis em cantinas escolares têm sido desenvolvidas em alguns estados e municípios brasileiros nos últimos anos. No nível federal, tramitam no Congresso Nacional distintos projetos de lei sobre este tema (Anexos M, N, O e P), mas não há ainda um dispositivo de lei de abrangência nacional para a regulamentação. Países como os Estados Unidos também dispõem de regulamentos que, em sua maioria, proíbem a venda de alimentos por um certo período antes e depois do café da manhã e do intervalo do almoço em todo
o recinto escolar. Proibições e diretrizes sobre alimentos e bebidas permitidos em máquinas de venda também foram introduzidos em distritos escolares desse país (HAWKES, 2006).
A proposta de elaboração deste relatório apresenta relevância na medida em que busca identificar e dar visibilidade a experiências de regulamentação em diferentes locais do país para promoção da alimentação saudável, desenvolvidas na escola, visando valorizar as medidas de proteção, as quais impedem que coletividades e indivíduos, principalmente crianças e adolescentes que ainda estão formando sua capacidade de discernimento, fiquem expostos a fatores e situações de risco.
[ 7 ]
PARTE 1 Objetivos
O presente trabalho tem como objetivo identificar e analisar as experiências de regulamentação da comercialização de alimentos no ambiente escolar no Brasil.

Metodologia
Realizou-se um levantamento das experiências estaduais e/ou municipais legislativas de regulamentação da venda de alimentos no ambiente escolar que existem no Brasil. Os dispositivos legais identificados foram:
Lei municipal n.º 5.853, de 4 de junho de 2001 – Florianópolis (Anexo A);
Lei estadual n.º 12.061, de 18 de dezembro de 2001 – Santa Catarina (Anexo B);
Lei estadual n.º 14.423, de 2 de junho de 2004 – Paraná (Anexo C);
Lei estadual n.º 14.855, de 19 de outubro de 2005 – Paraná (Anexo D);
Decreto municipal n.º 21.217, de 1.º de abril de 2002 – Rio de Janeiro (Anexo E);
Portaria n.º 02/2004, da I Vara da Infância e da Juventude – Estado do Rio de Janeiro
(Anexo F);
Lei estadual n.º 4.508, de 11 de janeiro de 2005 – Rio de Janeiro (Anexo G);
Lei n.º 3.695, de 8 de novembro de 2005 – Distrito Federal (Anexo H);
Portaria conjunta COGSP/CEI/DSE, de 23 de março de 2005 – Estado de São Paulo
(Anexo I);
Resolução municipal n.º 16/2002, de 29 de julho de 2002 – Ribeirão Preto (Anexo J).
Em cada localidade, foram entrevistados, pelo menos, um gestor público da área de saúde, um gestor público da área de educação, um representante do poder legislativo (quando era o caso) e um representante da sociedade civil, que participaram, em algum momento, do processo (Anexo K), totalizando 55 entrevistados.
As entrevistas aconteceram entre 1.º de agosto e 3 de setembro de 2006 e foram gravadas e transcritas para a produção deste relatório. Em alguns momentos, as entrevistas foram individuais, em outros, em grupos, a fim de atender a demanda local. As entrevistas seguiram um roteiro previamente definido (Anexo L).
[ 8 ]
 PARTE 2
O processo de elaboração da regulamentação
Foram encontrados quatro diferentes tipos de dispositivos legais sobre a regulamentação da comercialização de alimentos no ambiente escolar no Brasil. São eles: portaria, resolução, decreto e lei.
Inicialmente, será abordado o processo de construção dos dispositivos criados pelo Poder Executivo: o decreto municipal do Rio de Janeiro, a portaria da Secretaria Estadual de Educação de São Paulo e a resolução da Secretaria Municipal de Educação de Ribeirão Preto. Em seguida serão apresentados os processos de elaboração dos dispositivos criados pelo Poder Legislativo: leis de Florianópolis, Santa Catarina, Paraná e Distrito Federal, conforme detalhado no Quadro 1.
Quadro 1 – Dispositivos legais que regulamentam a comercialização de alimentos na escola por localidade
Localidade
Data de publicação
Dispositivo legal
Identificação Vigência1 Abrangência
Situação atual
Florianópolis 4/6/2001 Lei N.º 5.853 5 anos e 3 meses
Unidades educacionais públicas e privadas que atendem a educação básica do Município de Florianópolis
Em vigor
Santa Catarina 18/12/2001 Lei N.º 12.061 4 anos e 9 meses
Unidades educacionais públicas e privadas que atendem a educação básica do Estado de Santa Catarina
Em vigor
Rio de Janeiro 1.º/ 4/2002 Decreto N.º 21.217 4 anos e 5 meses
Escolas da rede pública municipal de ensino
Em vigor
Ribeirão Preto 29/7/2002 Resolução N.º 16 4 anos e 2 meses
Unidades educacionais da rede municipal de ensino de Ribeirão Preto
Em vigor
Rio de Janeiro lº/ 3/2004 Portaria N.º 02 6 meses
Escolas públicas e particulares do Município do Rio de Janeiro
Revogada em 10/2004
Paraná 3/6/2004 Lei N.º 14.423 2 anos e 3 meses
Unidades educacionais públicas e privadas que atendam a educação básica do Estado do Paraná
Em vigor
[ 9 ]
Rio de Janeiro 11/1/2005 Lei N.º 4.508 1 ano e 8 meses
Rede pública e privada do Estado do Rio de Janeiro
Em vigor
São Paulo 23/3/2005 Portaria
Portaria Conjunta COGSP/CEI/ DSE
1 ano e 6 meses
Rede pública do Estado de São Paulo
Paraná 20/10/2005 Lei N.º 14.855 11 meses
Escolas de ensino fundamental e médio particulares e da rede pública
Em vigor
Distrito Federal 8/11/2005 Lei N.º 3.695 4 meses
Escolas de educação infantil e de ensino fundamental e médio das redes pública e privada do Distrito Federal
Suspensa por liminar desde
março/2006

1 Vigência em relação a agosto e setembro de 2006.

A Experiência da Cidade e do Estado do Rio de Janeiro
O eixo deflagrador que culminou com um decreto municipal na Cidade do Rio de Janeiro e, conseqüentemente, com as demais legislações do Estado do Rio de Janeiro foi a realização de um censo para delinear o perfil das cantinas nas unidades escolares da rede municipal de ensino.
Este censo diagnosticou que 63% das escolas possuíam cantinas e que os produtos mais ofertados às crianças eram refrigerantes, biscoitos e doces. Também nesta pesquisa, foi constatado que em 25% dos locais de venda havia material de propaganda dos fornecedores, com destaque para os refrigerantes e o guaraná natural. Já em 2001, esse relatório apontava a necessidade de uma revisão dessa prática nas escolas. Então, em 2002, o Prefeito da Cidade do Rio de Janeiro publicou o Decreto
n.º 21.217, que regulamenta a venda e a propaganda de alimentos nas escolas públicas municipais, tendo sido assessorado tecnicamente pelo Instituto de Nutrição Annes Dias (Inad), órgão da Secretaria Municipal de Saúde (SMS) responsável pelas ações de alimentação e nutrição na cidade.
Segundo o representante da Secretaria Municipal de Educação (SME), a regulamentação foi bem aceita na comunidade escolar. Os gestores das escolas que possuíam cantinas, à época do decreto, foram desestimulados a manterem tal prática. Os diretores escolares alegavam que as cantinas eram uma fonte de renda para pequenos gastos, porém a gestão municipal argumentava que
já vinha desenvolvendo formas de repasse de recursos às escolas para essas despesas. Um outro forte argumento, segundo este representante, seria o próprio Programa de Alimentação Escolar (PNAE),
que oferece uma alimentação balanceada e de boa qualidade. De acordo com esse representante, “quando se atinge um nível de consciência, as coisas ficam mais simples de ser resolvidas”.
No Rio de Janeiro, aconteceu uma situação muito peculiar: uma regulamentação elaborada pelo Poder Judiciário. Baseado no Estatuto da Criança e do Adolescente, em agosto de 2003, a I Vara da Infância e da Juventude (IVIJ) do Rio de Janeiro, preocupada em ampliar a regulamentação das cantinas para as escolas particulares, desencadeou um processo de formulação de uma portaria.
Para tal, solicitou a assessoria técnica ao Inad e ao Conselho Regional de Nutricionistas – 4.ª região (CRN-4). Esse movimento teve por base a experiência bem sucedida na rede municipal.
A iniciativa, que englobava uma listagem de alimentos proibidos, foi debatida em três
encontros com representantes da direção e do corpo docente das escolas, pais, responsáveis por cantinas escolares e nutricionistas. Em fevereiro de 2004, a Portaria n.º 02/2004 foi publicada, sendo complementada por dois anexos: o anexo I, composto pela lista de alimentos proibidos e pelos parâmetros técnicos utilizados (estabelecidos a partir das recentes recomendações nutricionais estabelecidas pela Organização Mundial da Saúde com vistas ao controle da epidemia mundial da obesidade e de outras doenças crônicas ligadas à alimentação) e o anexo II, que apresenta um texto
de fundamentação dessa iniciativa.
Após uma série de liminares e recursos, a portaria foi revogada, não porque seu conteúdo tivesse sido considerado inadequado, mas alegou-se que uma portaria não poderia prever aplicação de sanções. Um dos principais avanços dessa iniciativa foi ampliar essa discussão para outros setores da rede de ensino, principalmente para as escolas particulares, alertando para a dimensão pedagógica da alimentação na escola e para a necessidade de criação de ambientes saudáveis.
Em janeiro de 2005, a governadora do Estado do Rio de Janeiro sancionou a Lei n.º 4.508, que proíbe a comercialização, aquisição, confecção e distribuição de produtos que colaborem para a obesidade infantil, em bares, cantinas e similares instalados em escolas públicas e privadas do Estado do Rio de Janeiro, de autoria do deputado estadual Roberto Dinamite. A promulgação da referida lei causou uma certa surpresa, uma vez que, segundo relatos, não foi solicitado parecer da área técnica estadual nem foi pactuada com a comunidade escolar e entidades afins.
Segundo o deputado, a adoção de práticas alimentares saudáveis é de extrema importância na vida de um atleta e sua motivação em propor a lei deve-se à preocupação com a qualidade de vida das crianças. A área técnica da Secretaria Estadual de Educação questiona o teor da lei justificando que sua clientela é de ensino médio – adolescentes –, e que estes saberiam fazer suas escolhas.
Argumenta que a lei deveria ser voltada somente ao ensino fundamental. Não pactuam com a idéia de proibir, de ter uma legislação sobre o assunto. Segundo a coordenadora estadual do PNAE “proibir é a pior coisa que existe, tem que ter um programa de educação nutricional”. Durante a entrevista, fez uma exposição de repúdio ao desamparo a que os cantineiros ficaram submetidos com essa lei, que
considera mal elaborada.
O Inad, o CRN-4, o Sinepe e outras entidades, já aproximadas pela Portaria da I VIJ, também consideraram que o teor dessa lei é muito restritivo, principalmente em se tratando da rede privada, que não possui o PNAE. Essas entidades, em comissão, procuraram o deputado para propor alterações no corpo da lei, proposta bem recebida pelo deputado, que se mostrou preocupado com a questão e aberto às possíveis modificações.

A experiência do Estado de São Paulo
Assim como na experiência do Rio de Janeiro, em São Paulo, a regulamentação foi antecedida por uma pesquisa com pais, alunos, professores e diretores, via internet, para saber o que a comunidade escolar pensava sobre a regulamentação da venda de alimentos na cantina escolar. Essa idéia partiu dos técnicos da Secretaria de Educação do Estado (SEE). Cerca de 40% das escolas que responderam a pesquisa relataram não possuir cantina e que a regulamentação seria adequada. O objetivo, nesse
momento, era comprometer a comunidade escolar com a proposta.
Os técnicos da SEE relataram que sempre estiveram preocupados com essa temática e que também sempre se colocaram a favor de uma regulamentação em todas as vezes que algum projeto de lei em relação a este assunto tramitava na secretaria para obtenção de parecer. Na avaliação dos técnicos, tal qual na cidade do Rio, a presença do Programa de Alimentação Escolar (PNAE) facilitou a aceitação da comunidade escolar. Para deflagrar esse processo, os técnicos relataram ter-se baseado
na experiência das cidades do Rio de Janeiro e de Florianópolis, embora tenham optado em investir esforços na elaboração de uma portaria e não uma lei.
[ 1 1 ]
A experiência da Cidade de Ribeirão Preto
Em Ribeirão Preto, os técnicos da SME sempre foram preocupados com o que era vendido nas cantinas escolares. Na realidade, nunca foram a favor de as escolas terem cantinas, uma vez que desenvolvem o PNAE. Durante as visitas de supervisão do PNAE, observou-se que as frituras e os refrigerantes eram os alimentos mais vendidos. Essa avaliação foi apresentada à SME, que resolveu publicar uma resolução disciplinando o que poderia ser vendido. Os técnicos fizeram um trabalho de
ampla divulgação da resolução, entretanto por pressão de alguns diretores de escola e por recursos impetrados pela indústria de refrigerantes e de biscoitos salgadinhos, houve um retrocesso e esses itens foram liberados para a venda.
Em 2005, após a Semana Mundial de Alimentação, realizada em Ribeirão Preto, o secretário de Saúde solicitou uma minuta para a regulamentação da venda de alimentos nas cantinas. Criou-se, então, um grupo de trabalho, com representantes de vários setores da prefeitura e foram formuladas recomendações sobre alimentação saudável, inclusive para as cantinas escolares. Por orientação jurídica, nesse momento, não se listaram alimentos proibidos, mas sim os recomendados. Nesse
projeto, chamado Passaporte para a Saúde, cada escola deverá indicar um agente de mobilização (professor, pai, funcionário.), que será responsável por representar a comunidade escolar nas discussões sobre promoção da saúde e multiplicar algumas ações dentro da escola. O Sindicato das Escolas Particulares foi chamado a participar das discussões, mas, segundo relatos, não se envolveu.
Esse grupo de trabalho tem o entendimento de que não adianta formular uma lei, sem uma ação de educação prévia. Por isso, está investindo em uma sensibilização da comunidade para posterior publicação da lei. Também pretendem utilizar a mídia como parceira pois, na época da publicação da resolução, houve muita resistência em alguns segmentos da comunidade.
A experiência do Estado de Santa Catarina
Em Santa Catarina, o processo de construção da regulamentação foi coletivo e muito produtivo. Sempre houve preocupação dos técnicos com esse assunto. Mesmo sem regulamentação, alguns professores e diretores se questionavam sobre a venda de determinados alimentos nas cantinas. Foi observado que já havia uma legislação de 1986, proibindo a venda de alimentos cariogênicos.
Segundo um professor da Universidade Federal de Santa Catarina, na época nutricionista da Secretaria Municipal de Saúde, a discussão da regulamentação, em nível municipal, nasceu no Conselho Municipal de Alimentação Escolar. Foi um processo bem lento, muito discutido, em aproximadamente três anos, até a elaboração de uma minuta. Na época, havia uma vereadora, nutricionista, que já havia
trabalhado na Secretaria de Saúde, que agilizou todo o processo de tramitação do projeto de lei.
Entretanto, ao final, a lei foi assinada pela própria prefeita, em junho de 2001.
No processo de formulação e discussão da lei, o sindicato das escolas particulares foi convidado, mas se colocou a margem do processo, negando-lhe importância, ou seja, em nenhum momento esteve presente. Mas, depois que o assunto começou a aparecer na mídia e a tomar vulto, o sindicato começou a se preocupar com o assunto. Algumas escolas particulares começaram a trabalhar a questão da alimentação saudável de uma forma mais efetiva, inclusive utilizando o tema como um diferencial para atrair alunos novos.
No mesmo ano, foi publicada a lei estadual. Na avaliação do deputado, autor da lei, este processo foi facilitado em função de as gestões municipal e estadual pertencerem ao mesmo partido político. A lei estadual obteve grande repercussão na mídia. Segundo o deputado, esse tema o interessava por conta da sua vivência com os filhos em relação a uma alimentação saudável. Foi assessorado por uma equipe médica que forneceu dados epidemiológicos sobre obesidade, entre outros agravos.
[ 1 2 ]

A experiência do Distrito Federal
Assim como em Santa Catarina, o processo de elaboração da regulamentação no Distrito Federal foi coletivo e muito produtivo. Embora o desfecho para o DF tenha sido o veto do governador.
No Distrito Federal não se tinha noção do que era vendido nas cantinas escolares. Não havia nenhum estudo local. Sabia-se, por outros estudos, que as cantinas, de um modo geral, vendiam muitos alimentos ricos em açúcares e gorduras. Os técnicos da Universidade de Brasília (UnB) começaram a realizar um trabalho com os cantineiros, dentro de um projeto de promoção de hábitos alimentares saudáveis na escola.
Concomitante a esse trabalho tramitava na Câmara Legislativa um projeto de lei que propunha a regulamentação da venda de alimentos nas cantinas escolares. Era um projeto de lei muito simples, com foco somente na cantina escolar. Também interessada no assunto, a assessoria da Deputada Arlete Sampaio entrou em contato com professores da Faculdade de Nutrição da UnB e junto com o autor do projeto construíram uma terceira proposta. Na época, a deputada era presidente da Comissão de Educação em Saúde e decidiu realizar uma audiência pública para debater o tema.
Segundo relatos colhidos, nessa audiência pública, o Sinepe mostrou-se visivelmente contra o projeto de lei. Alguns cantineiros, que já haviam aderido à proposta, deram um depoimento positivo, pois não houve redução dos lucros e porque se sentiam mais cidadãos por estarem contribuindo com um projeto importante para o futuro das crianças. Já os técnicos da Secretaria de Educação manifestaram-se muito preocupados com a possibilidade do aumento da demanda de trabalho, por entenderem que seriam os responsáveis pela capacitação e fiscalização dos cantineiros. Aliás, esse foi o motivo alegado pelo governador para vetar o projeto, pois seu entendimento foi de que este item implicava em gastos de recursos públicos para formação de pessoal. Houve uma verdadeira campanha de protestos contra o veto do governador e isso sensibilizou a liderança da Câmara Legislativa a derrubar o veto, aprovando a lei. O trabalho então desenvolvido pela UnB ganhou o apoio da legislação, fortalecendo assim as ações educativas com os cantineiros. A existência da lei foi fundamental para promover a discussão de promoção de saúde no ambiente escolar. Posteriormente, o próprio governo entrou com pedido de ação direta de inconstitucionalidade e obteve o parecer favorável do Ministério Público, revogando
a lei.

A experiência do Estado do Paraná
No Estado do Paraná, observou-se um fato inusitado: a existência de duas legislações sobre o mesmo objeto. Ambas as leis foram promulgadas sem nenhuma assessoria técnica e foram cópias de leis de outros estados. A primeira foi inspirada na lei de Santa Catarina e a segunda na resolução de São Paulo. Segundo o relato do assessor do deputado que escreveu a primeira lei, esta é uma matéria que beneficia a sociedade, sendo comum e mais ágil utilizar outras leis como base. Ele ressaltou que
o autor da segunda lei foi alertado sobre a duplicidade do tema, o que foi ignorado. As leis foram promulgadas e aprovadas levando em conta somente a área política, a área técnica não foi envolvida.
Todos os técnicos foram surpreendidos com a divulgação de ambas as leis pela mídia.

Os objetos de regulamentação dos diferentes dispositivos
Uma análise sobre os dispositivos permitiu verificar diferentes abordagens e objetos de
regulamentação. Os itens considerados foram: alimentos cuja comercialização está proibida, permitida ou obrigada; ações educativas; capacitação de cantineiros; alvará sanitário; assessoria técnica; venda nas cercanias; propaganda de alimentos; fiscalização e sanções, conforme disponível no Quadro 2.
[ 1 3 ]
Quadro 2 – Conteúdo dos dispositivos legais analisados

CONTEÚDO
Florianópolis Lei n.º 5.853
Santa Catarina
Lei n.º 12.061
Rio de Janeiro
Dec. n.º 21.217
Ribeirão Preto
Resolução n.º 16
Rio de Janeiro
Portaria n.º 02
Paraná
Lei n.º 14.423
Rio de Janeiro
Lei n.º 4.508
São Paulo
Portaria Paraná Lei n.º 14.855 D F Lei n.º 3.695
Lista de Alimentos Proibidos
X X X X X X X X X X
Lista de Alimentos Permitidos
X X X
Alimentos com Venda Obrigatória
X X X
Ações Educativas X X X X X X X X
Capacitação Cantineiros X X
Alvará X X X X X X
Assessoria Técnica X X X X
Venda nas Cercanias X
Propaganda de Alimentos X X X
Fiscalização X X X X X X
Sanções X X X X X X X

Alimentos proibidos
Todos os dispositivos legais encontrados apresentam alimentos proibidos para a comercialização pelas cantinas escolares. Porém, a forma como são apresentados varia entre uma listagem nominal dos alimentos e uma listagem que mescla alimentos e parâmetros nutricionais.
A Portaria de São Paulo, visando valorizar a lista de alimentos recomendados, apresenta a proibição da seguinte forma:
Art. 7.º – É expressamente proibida a comercialização, pela cantina escolar, de produtos
prejudiciais à saúde e que não ofereçam condições nutricionais e higiênico-sanitárias, bem
como aqueles que possam ocasionar obesidade e outros problemas de saúde causados
por hábitos incorretos de alimentação, em especial:
I – bebida alcoólica;
II – tabaco;
III – medicamento ou produto químico-farmacêutico. (SÃO PAULO, 2005, art. 7.º)

No Município de Ribeirão Preto, a resolução em vigor, apresenta uma lista de proibições e ] acrescenta o seguinte parágrafo:
Ficam incluídos no presente artigo todos os produtos derivados, bem como todos aqueles
que não trazem qualquer benefício para o desenvolvimento nutricional do aluno.(
RIBEIRÃO PRETO, 2002)

Consideramos que este tipo de construção dificulta bastante a identificação dos alimentos proibidos, tanto por parte dos cantineiros e da escola, quanto por parte dos responsáveis pela fiscalização.
No Distrito Federal encontramos a proibição de alimentos que contenham mais de dez por cento de suas calorias totais provenientes de gordura saturada. Ainda nessa lei, outro item proibido é a utilização de gordura vegetal hidrogenada nos alimentos comercializados. Este tipo de critério também dificulta a fiscalização nos casos de produtos manipulados.
Já na Cidade do Rio de Janeiro, o decreto que regulamenta a venda nas cantinas, proíbe “alimentos ricos em colesterol, sódio e corantes artificiais” (RIO DE JANEIRO, 2002). Embora ofereça alguns parâmetros como, por exemplo, “cento e sessenta miligramas de sódio em cem quilocalorias de produto”, provoca uma análise do rótulo do alimento, envolvendo cálculos e algum juízo de valor.
Vale ressaltar que a Portaria n.º 02/2004, do Rio de Janeiro, que utilizou somente uma lista de alimentos proibidos, apresenta em seu Anexo I a fundamentação técnica para as proibições e no Anexo II, um texto sobre promoção de alimentação saudável na escola. Desse modo, o próprio texto em si tem um caráter educativo.Abaixo, seguem comentados os principais alimentos ou grupos de alimentos apontados como proibidos nos diferentes dispositivos:

a) Bebidas alcoólicas
Dos dez dispositivos, sete proíbem a venda de bebidas alcoólicas nas cantinas escolares.
Segundo Edwards (1999), as causas da dependência alcoólica estão relacionadas ao meio ambiente, com fatores individuais desempenhando um papel muito pequeno. O álcool está quase sempre envolvido no uso de outras drogas. Indivíduos que bebem tendem duas a três vezes mais a fumar do que aqueles que não bebem. Ainda de acordo com o autor, uma experiência comum nos últimos anos, em vários países, é o crescimento do número de jovens com problemas de alcoolismo. O álcool pode ser uma panacéia para os sentimentos conflituosos e a dor dessa fase da vida, aliviando
temporariamente essas sensações. Além disso, beber pode trazer o companheirismo e a aprovação dos iguais.
A Portaria n.º 02/2004, da I VIJ, não proíbe a venda de bebida alcoólica e informa que a lista foi elaborada a partir do perfil dos produtos comercializados nas cantinas do município, na época de sua formulação. Fica subentendido que, de acordo com o levantamento realizado, as bebidas alcoólicas já não eram encontradas nas cantinas do Município do Rio de Janeiro. A resolução de Ribeirão Preto e a lei mais recente do Paraná, apesar de abrangerem o ensino médio, ou seja, abrangem alunos maiores
de idade, não proíbem a venda desse produto. Imagina-se que a legislação já tenha considerado a proibição, por outros dispositivos, da venda de bebidas alcoólicas para menores de 18 anos.

b) Balas, pirulitos e gomas de mascar
Com exceção da portaria conjunta do Estado de São Paulo, as demais proíbem, explicitamente, a venda de balas, pirulitos e gomas de mascar. O decreto municipal do Rio de Janeiro, a Lei n.º 4.508 do Estado do Rio e a portaria da Primeira Vara da Infância especificam ainda a proibição do caramelo. Outros dispositivos incluem o termo “assemelhados”.
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A proibição de balas, pirulitos, goma de mascar, caramelos e assemelhados se fundamenta no fato de que esses produtos se incluem na categoria de alimentos com calorias vazias, ou seja, aqueles com elevado teor de açúcar, pouco ou nenhum valor nutricional e altamente cariogênicos.

c) Refrigerantes e sucos artificiais
Sete são os dispositivos que proíbem refrigerantes e sucos artificiais. Essa maioria expressa a preocupação com relação a um grupo de bebidas de alta densidade calórica, elevado teor de açúcar,
pobre em fibras e em micronutrientes e que possuem aditivos do tipo corantes. De acordo com Accioly (2005) a população infantil é a mais vulnerável aos efeitos dos aditivos, conhecidos como corantes e conservantes. Em primeiro lugar porque as quantidades ingeridas pelas crianças, em relação ao peso corporal, são maiores na criança do que no adulto. Em segundo lugar, essas substâncias têm ação sobre o sistema nervoso central e são, provavelmente, mais prejudiciais ao cérebro infantil, que ainda está em desenvolvimento. Por último, as crianças ainda não possuem capacidade de autocontrole com relação à quantidade a ser ingerida. Sob o ponto de vista da Saúde Pública os aditivos vêm provocando preocupações constantes, pois já existem estudos associando-os ao desencadeamento de déficit de atenção com hiperatividade em crianças, hipersensibilidade alimentar e câncer.
Na Cidade de Ribeirão Preto o refrigerante pode ser comercializado, desde que a cantina coloque também à disposição dos alunos outras bebidas, como bebidas lácteas, iogurtes, chás e sucos naturais. De acordo com a representante da Secretaria Municipal de Educação, a grande pressão
sofrida por parte dos revendedores deste produto e até dos próprios diretores das escolas municipais fez com que o refrigerante fosse retirado da lista de proibidos, pois é um dos produtos que gera mais lucro para as cantinas.

d) Biscoitos recheados
Apenas a portaria do Rio de Janeiro e a lei do Distrito Federal proíbem clara e explicitamente a venda desse tipo de biscoito.
Os biscoitos recheados também representam uma categoria de alimentos com alta densidade calórica, baixo teor de fibras, elevado teor de açúcar, de gorduras saturadas e de gorduras trans saturadas. Os ácidos graxos trans foram, recentemente, incluídos entre os lipídios dietéticos que atuam como fatores de risco para doença arterial coronariana (DIETSCHY, 1997). Já a relação entre consumo de gorduras saturadas, níveis plasmáticos de colesterol e risco de doença coronariana foi das primeiras a ser comprovada empiricamente. O consumo elevado de gorduras saturadas e de
colesterol também pode aumentar o risco de doença coronariana. Inúmeras evidências bioquímicas, microbiológicas, clínicas e epidemiológicas apontam uma relação causal indiscutível entre o consumo freqüente de açúcar e a cárie dental. (MONTEIRO; MONDINI; COSTA, 2000).

e) Salgadinhos industrializados
Esse produto é encontrado na lista de proibições de seis, dos dez dispositivos. Na lista de Ribeirão Preto, onde esses produtos não entram como proibidos, verifica-se a existência da restrição ao condimento pimenta. Em uma primeira análise, parece estranho que algum aluno procure pimenta para consumo na cantina. Durante as entrevistas nesse município, descobriu-se que essa proibição foi a forma encontrada de proibir indiretamente os salgadinhos industrializados, visto que, segundo as profissionais da Secretaria de Educação, a proibição direta gerou muita resistência por parte dos diretores e fornecedores desses produtos.
No decreto e na lei estadual do Rio de Janeiro, o parâmetro sobre o teor de sódio nos alimentos proíbe, indiretamente, os salgadinhos industrializados. A composição nutricional desses produtos é muito semelhante a dos biscoitos recheados, tendo em substituição aos elevados teores de açúcar,
altos índices de sódio. Ainda de acordo com Monteiro, tal micronutriente é um indutor da elevação da pressão arterial, doença crônica que, nas últimas décadas, tem afetado crianças e adolescentes por todo o mundo.

f) Pipocas industrializadas
A pipoca industrializada também se assemelha aos salgadinhos industrializados, existindo ainda no mercado as opções de pipocas com sabor, como por exemplo as de bacon ou doce, que recebem vários aditivos químicos. Ela está presente em 70% das listas de proibições das experiências referenciadas no presente estudo.

g) Alimentos industrializados
Todos os alimentos acima descritos, ou seja, os alimentos industrializados, tendem a apresentar importantes desequilíbrios na sua composição nutricional, possuindo uma ou mais das seguintes características: excessiva densidade calórica, altos teores de gordura total e de gordura saturada, excesso de açúcar e de sódio, presença de aditivos químicos e escassez de fibras e de micronutrientes (vitaminas e minerais). Ingeridos com uma freqüência constante, impossibilitam uma adequação das
recomendações de nutrientes estabelecidas pelos órgãos oficiais. De acordo com a

Portaria n.° 02/2004, Anexo II, pág. 13:
Se, em um único lanche (por exemplo, um pacote de biscoito), uma criança ingere quase metade das suas necessidades de calorias ou metade da quantidade de sódio recomendada, será praticamente impossível organizar o restante de sua alimentação diária, de forma a não ultrapassar as quantidades de energia e de sódio compatíveis com uma dieta saudável. (RIO DE JANEIRO, 2004, anexo II, p. 3).

Encontramos ainda outras proibições que vêm ao encontro desses preceitos, dentre elas: amendoim salgado ou doce, picolés (exceto os de fruta), sorvetes cremosos, coberturas doces, molhos industrializados, carnes de hambúrguer, bacon, lingüiça, salsicha, salsichão e patê desses produtos, paçoca, maria-mole. Identificamos, também, parâmetros como: “alimentos com mais de três gramas de gordura em 100 quilocalorias do produto”.

h) Corantes e antioxidantes artificiais
Esses aditivos tiveram sua comercialização proibida em três das dez localidades estudadas, no entanto encontram-se restritos em todas as outras por estarem contidos em outros alimentos citados como proibidos.

i) Bebidas à base de xarope de guaraná, ou groselha, chá mate e bebidas à base de chá preto e bebidas isotônicas
Proibidos apenas na portaria do Município do Rio. A pertinência da proibição se deve ao fato de tratar-se de bebidas com alto teor de açúcar simples. No caso dos chás mate e preto, por possuírem elevados teores de teína, substância semelhante à cafeína, que se ingerida em quantidade excessiva pode causar agitação, insônia e pode ser fator de desencadeamento de gastrites. Já as bebidas isotônicas são compostas basicamente por açúcares, sódio, potássio e aditivos, que lhes dão
cor e sabor, e são preparadas para reposição hidroeletrolítica nos casos de atividade física intensa.
Estudos têm mostrado que esses tipos de bebida, junto com os refrigerantes, têm deslocado o consumo de leite, água e suco de frutas.
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j) Chocolate
A proibição da venda de chocolates é explicitada em três casos dos analisados. No caso da portaria do Estado de São Paulo ele entra na lista de permitidos, desde que suas barras não ultrapassem 30g, e/ou sejam misturadas com fibras ou frutas.
Já no Distrito Federal, sua proibição fica subentendida no item VII, do Artigo 4.º, que não permite a venda de alimentos cujo percentual de calorias provenientes de gordura saturada ultrapasse 10% do total energético.
Em Ribeirão Preto, o fato de a resolução proibir a venda de chocolate e permitir a de bebidas lácteas, entre elas o achocolatado, gerou polêmicas entre a comunidade escolar. De acordo com a representante da Secretaria Municipal de Educação “as pessoas não entendem o porquê dessa determinação”.

l) Preparações confeccionadas na cantina
O Estado do Rio proíbe em suas escolas “qualquer alimento manipulado na escola”, demonstrando a preocupação com a origem e a qualidade higiênico-sanitária do produto. No entanto, sabe-se que ao diminuir a presença de alimentos industrializados na cantina será necessário manipular mais os alimentos. Este tipo de proibição pode dificultar bastante o cumprimento da lei.
Já a Lei n.º 14.855, do Paraná, determina como não permitidos para a venda os produtos que não contenham indicação de origem, composição nutricional e prazo de validade.
A maioria das localidades (seis) proíbe as frituras em sua lista. Encontramos também proibição de empadas e folheados. Estas reparações, em geral, se encaixam na categoria de alimentos com alta densidade energética e, dependendo do tipo de gordura utilizada para a preparação, ricos em gorduras saturadas. Geralmente são pobres em fibras e em micronutrientes.

m) Delimitação do número de sachês de açúcar
O dispositivo legal n.º 3.695, do Distrito Federal, regulamenta que, quando solicitado pelo aluno, o número de sachês de açúcar fornecido não pode ser superior a dois (de 5mg cada) para uma porção de 200ml de qualquer bebida. Julgando pelo caráter puramente técnico a medida é acertada, porém gerou muita resistência entre as escolas da localidade. De acordo com a nutricionista da UnB,
responsável pelo Observatório de Nutrição, essa medida foi muito difícil de ser implementada. Os alunos pressionavam e os cantineiros cediam.
“Foi um item de difícil convencimento, não poder adoçar de acordo com sua preferência o suco ou o leite”.

Alimentos permitidos
Das dez experiências analisadas neste estudo, três contêm em seu dispositivo legal a lista de alimentos permitidos. São elas: Florianópolis, São Paulo e uma das leis do Paraná (n.º 14.855).
Na lista do Município de Florianópolis, a lista de permitidos apresenta alguns alimentos que causam uma certa estranheza:
- cachorro quente: a salsicha e/ou a lingüiça, que compõem essa preparação são alimentos embutidos,
com elevado teor de sódio e gordura total e contrariam as recomendações da OMS para dietas saudáveis;
- biscoitos: quando não se especifica o tipo de biscoito, deixa-se espaço para os recheados, entre outros, com alto teor de gordura;
[ 1 8 ] - sanduíches: ao permitir essa preparação, a lei deixa em aberto o consumo de frios e hambúrguer, por exemplo, na medida em que esses alimentos não constam na lista de proibidos. Esses alimentos também apresentam elevados teores de gordura e sódio.
Nos alimentos permitidos da lista de São Paulo não encontramos incoerências. Cabe ressaltar, porém, que essa resolução permite a venda de sanduíches, bolos, salgados e doces assados, enroladinho e tortas. Tais preparações podem conter elevados teores de gordura e a resolução não parece prever esse nível de controle.
No Paraná, a Lei de n.º 14.855 permite a venda de chá, mate e café. Já foram apontadas as desvantagens do consumo dessas bebidas pelas crianças. Os demais itens estão de acordo com as recomendações saudáveis.
A portaria do Rio de Janeiro apresentava, inicialmente, uma listagem de alimentos proibidos e uma de recomendados. Durante as discussões com a comunidade escolar, verificou-se que, por mais extensa que a lista fosse, havia vários alimentos que não constavam em nenhuma delas. Por isso, optou-se pela manutenção somente da lista de proibidos, apresentando no anexo II da portaria, um texto com sugestões de alimentos a serem vendidos.

Alimentos com venda obrigatória
Essa categoria foi identificada na lei do Distrito Federal, como artigo, e na Lei n.º 1.206, de Santa Catarina, e na Lei n.º 14.423, do Paraná, como incisos.
Nos três casos, o alimento em questão é a fruta. No Distrito Federal, a obrigatoriedade é de, pelo menos, um tipo de fruta por dia. Já as outras duas localidades especificam que sejam oferecidos dois tipos de frutas sazonais, colocadas à disposição para venda aos alunos diariamente.

Ações educativas
Apenas dois dos dispositivos não previram ações educativas no seu contexto. Ribeirão Preto é uma dessas localidades que se encontra nessa minoria. No entanto, nas entrevistas, tivemos conhecimento de seus projetos educativos, que estão em pleno vigor. A lei estadual do Rio de Janeiro é o outro dispositivo que dispensou um programa educativo no que se refere à alimentação saudável.
Tal constatação vem reafirmar o que muitos dos entrevistados declararam: a importância das ações educativas como pauta atual. Essa exigência também atende, em algum grau, a demanda dos próprios cantineiros de maior envolvimento da escola, sensibilizando a comunidade escolar para este processo e diminuindo o nível de conflito com os alunos e os pais.
O decreto da cidade do Rio de Janeiro delegou ao Instituto de Nutrição Annes Dias e a SME a responsabilidade pelas ações educativas. O INAD teria que criar uma cartilha de orientação alimentar direcionada às escolas, pais e alunos da rede municipal. O decreto preconiza que os alimentos acessíveis à população devem ser contemplados nesse material. Também determina que a Secretaria Municipal de Educação inclua no programa escolar o tema da alimentação saudável, em todas as escolas, desenvolvendo-o por meio de pesquisas e trabalhos. Institui, ainda, que a Empresa Municipal de Multimeios, inclua este tema em seus programas de televisão, edições de revistas e jornais. Cabe à Secretaria Municipal de Saúde orientar, com o apoio do Instituto Annes Dias, as comunidades atendidas por agentes comunitários de saúde. A distribuição das cartilhas deve ser feita, também, nos postos de saúde.
A Lei n.º 3.695, do Distrito Federal, no artigo 9.º, determina que as escolas capacitem seu corpo docente para a abordagem multidisciplinar e transversal sobre os seguintes temas:
I – Alimentação e cultura;
II – Refeição balanceada, grupos de alimentos e suas funções;
III – Alimentação e mídia;
IV – Hábitos e estilos de vida saudável;
V – Frutas, hortaliças: preparo, consumo e sua importância para a saúde;
VI Fome e segurança alimentar;
VII – Dados científicos sobre malefícios do consumo dos alimentos cuja comercialização é vedada por esta lei. (DISTRITO FEDERAL, 2005, art. 9.º)
O Departamento de Suprimento Escolar do Estado de São Paulo ficou encarregado, na resolução em vigor, de orientar à Associação de Pais e Mestres sobre os produtos que tenham sua venda proibida nas cantinas escolares e sobre as condições e aspectos higiênico-sanitários. As demais ações educativas encontradas neste estudo limitam-se à criação de mural com informações pertinentes à alimentação saudável.
É inegável a pertinência de todas estas ações, porém cabe refletir sobre como se dá a fiscalização dessas exigências e se o não cumprimento também é passível de sanções.

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